Alfredo da Silva

Alfredo da Silva

O maior industrial português do Século XX

O seu espírito visionário e empreendedor teve um papel decisivo no desenvolvimento económico e social de um país que era maioritariamente rural e que tardava em apostar na industrialização. Com a criação do Grupo CUF, contribuiu para o desenvolvimento das indústrias química e têxtil, para a modernização e incremento dos transportes urbanos e marítimos e da reparação naval, para o crescimento da atividade bancária e para a melhoria da prestação de serviços na área da saúde.

Nascido a 30 de junho de 1871, em Lisboa, Alfredo da Silva foi o primeiro dos quatro filhos do comerciante Caetano Isidoro da Silva e Emília Augusta Laymé Ferreira. Estudou no Liceu Francês, onde foi um aluno regular, mas cedo revelou ter herdado a veia familiar para os negócios, ainda que por opção se tenha afastado da empresa da família, quando, aos 14 anos, o seu pai faleceu prematuramente, e tenha procurado o seu próprio caminho.

Antes de terminar o Curso Superior de Comércio de Lisboa, em 1892, com média de 16,1 valores (a melhor do seu curso), já tinha voz ativa em importantes empresas da capital, primeiro na Companhia Carris de Lisboa, e mais tarde no Banco Lusitano. Foi também um brilhante aluno das disciplinas ligadas à química. E nesta altura, com apenas 21 anos, já eram notórias as características que fariam dele uma figura incontornável do seu tempo: capacidade de liderança, autoconfiança, poder de decisão e reação, combatividade, mobilidade e uma energia que lhe permitia desdobrar-se em várias atividades em simultâneo.

A sua ligação a estas duas empresas é uma primeira experiência no mundo dos negócios que se revelará determinante no seu futuro. É durante o período em que integra a direção do Banco Lusitano que se inicia a sua ligação à Companhia Aliança Fabril, primeiro como acionista e depois também como administrador-gerente, empresa que será a semente do grupo que começaria a construir em breve. Por outro lado, a viagem que faz ao estrangeiro, em 1893, a convite da Carris para conhecer o que de mais avançado se fazia noutras capitais europeias nos sistemas de tração mecânica para transporte de passageiros, foi a primeira de muitas que passou a fazer regularmente para negociar contratos de matérias-primas, comprar os equipamentos mais modernos para as suas diversas indústrias e contratar os melhores especialistas para dirigirem as suas fábricas.

Complexo industrial CUF, Barreiro

Fábrica Sol, Lisboa

Esta abertura ao mundo, o espírito empreendedor e destemido, o saber rodear-se dos melhores gestores e técnicos e as boas relações que cultivava nos diferentes ministérios que podiam condicionar os seus negócios contribuíram para construir o Grupo CUF, o maior e mais diversificado grupo empresarial do país. Integrando mais de uma centena de empresas, e com as divisas “Mais e Melhor” e “O que o País não tem, a CUF cria”, a sua atividade estendeu-se à construção naval, têxteis, química, metalomecânica, minas, petróleos, tabaco, banca e seguros.

Em 1894, já como administrador-gerente da CAF, função na qual ganhou o seu primeiro salário, uma vez que quer na Carris quer no Banco Lusitano as suas funções nunca foram remuneradas, o jovem Alfredo da Silva casa com Maria Cristina Resende Dias de Oliveira, com a qual terá uma única filha, Amélia de Resende Dias de Oliveira da Silva.

Aos 26 anos Alfredo da Silva sugere a fusão da Companhia Aliança Fabril, de que era acionista, com a concorrente CUF, onde também possuía ações, criando a maior empresa industrial do país no setor químico, que se tornaria a maior produtora de adubos e influenciaria o desenvolvimento da agricultura em Portugal. Nascia assim, em 1898, a nova CUF, que produzia sabões, velas e óleos vegetais, e que mais tarde alargaria a sua atividade à produção de adubos. Em menos de uma década, foi necessário fazer crescer a empresa e é nesse contexto que o Barreiro é escolhido, começando a transformação da localidade no maior complexo industrial do país.

Com os negócios a correrem de feição, em 1906, Alfredo da Silva começa a delinear as bases da vasta obra social da CUF, outro dos seus grandes legados. Com o argumento de que trabalhadores satisfeitos são mais dedicados, decide a construção de uma escola, uma farmácia, um posto de socorros médicos, uma despensa que vendesse os produtos praticamente a preço de custo e uma caixa económica para benefícios de todos os trabalhadores. Neste mesmo ano, faz uma primeira incursão na política ativa (1906-1907), como deputado por Setúbal, não por ter ambições políticas mas porque se reviu nos ideais reformistas de João Franco e porque percebeu que esta atividade poderia beneficiar, ainda que indiretamente, os seus planos empresariais de expandir a companhia para a margem Sul.

Na sequência da compra, em 1907, de uma unidade de produção de azeite em Alferrarede, Abrantes, surge a necessidade de ter outra unidade a Sul para melhor proteger o mercado da concorrência. O local encontrado no Barreiro reunia as condições perfeitas: estava ligado por via férrea à estação dos comboios, tinha um cais acostável que permitiria a chegada das matérias-primas e o embarque de óleos e outros produtos para o estrangeiro e uma área que permitiria a expansão dos negócios nos anos vindouros. No final de 1909, o complexo do Barreiro já produzia ácido sulfúrico, superfosfatos para adubar as terras alentejanas, enxofre e sulfato de cobre, sacas para embalamento dos produtos e oficinas metalomecânicas. No mesmo ano, iniciava-se a construção dos primeiros bairros dos trabalhadores, com despensas, refeitório, moagem, padaria e, mais tarde, um grupo cultural e recreativo, replicando a obra social desenvolvida em Lisboa.

A queda da Monarquia (1910) e a I Guerra Mundial (1914-1918) trazem desafios acrescidos para o líder da CUF devido à agitação laboral e às inevitáveis greves que paralisam algumas vezes as suas unidades fabris, ao aumento do custo de vida, à retração dos mercados de exportação, bem como às dificuldades de abastecimento de combustíveis, de aquisição de tecnologia e de contratação de mão-de-obra especializada. Em 1917, o espírito reformista e de pulso forte de Sidónio Pais, que os primeiros conturbados anos da jovem República exigiam, levam-no a assumir o cargo de senador em representação da Associação Industrial Portuguesa. A política nunca o interessou especialmente, a não ser quando lhe pareceu necessária a sua intervenção para defender a cultura empresarial necessária à prosperidade dos seus negócios e do desenvolvimento económico e social do país. Mas com o assassinato do político em dezembro de 1918, o industrial abandona de novo a política no final da legislatura, em fevereiro de 1919. Regressaria uma última vez, em 1935, participando na Câmara Corporativa na secção relativa aos produtos químicos, mas tal como nas experiências anteriores, foi uma presença muito discreta.

A entrada de Alfredo da Silva no ramo dos transportes acontece em 1911 com uma frota de sete navios para cargas e descargas da companhia – fundamental para o transporte de matérias-primas e também de produtos acabados – e consolida-se em 1919 com a constituição da Sociedade Geral, que em dois anos adquiriu oito navios. Nesse mesmo ano casa a sua filha única com Manuel Augusto José de Mello, que seria fundamental na continuidade de Grupo CUF após a sua morte, e é alvo de dois atentados que o obrigam a exilar-se. Será fora de Portugal que Alfredo da Silva tomará algumas das ações mais marcantes do seu percurso na década de 1920.

Em 1921, estende a sua atividade ao setor bancário ao participar no aumento de capital da Casa José Henriques Totta & Cª, garantindo o controlo acionista. Entra na Guiné-Bissau com a constituição da António Silva Gouveia, Lda., assegurando de forma direta o abastecimento de matérias-primas fundamentais ao Grupo. Cria duas empresas em Espanha e em França, em 1923. E, em 1927, estende o negócio aos tabacos, com a fundação da Tabaqueira.

A forma como conseguiu gerir e fazer crescer os seus negócios à distância é reveladora não só da sua visão, mas também da sua extraordinária capacidade de trabalho, que impunha também aos seus mais próximos colaboradores, e à forma como soube usar a seu favor as tecnologias de comunicação (correio e telégrafo), de informação (imprensa) e de transporte (carro, comboio e barco) que existiam à época.

Durante a II Guerra Mundial, que se iniciou em 1939, Alfredo da Silva focou-se na reparação e construção de embarcações para as frotas pesqueiras nacionais e estrangeiras (na Rocha Conde D’Óbidos) e usou a frota da Sociedade Geral para cobrir a lacuna dos navios de transporte. E, ainda antes da sua morte, deixa outro importante legado ao gigantesco grupo que construiu: a Companhia de Seguros Império, que viria a liderar as seguradoras portuguesas.

Alfredo da Silva morre a 22 de agosto de 1942, deixando o genro Manuel de Mello na liderança do grupo empresarial que construíra e as sementes para outros empreendimentos empresariais que seriam lançados em breve, como o Hospital da CUF (1945) para dar assistência aos milhares de colaboradores do Grupo e seus familiares, a Soponata (1947), que veio cobrir a lacuna do país no transporte de combustíveis, e a Lisnave (1961), que se tornaria num dos maiores estaleiros de reparação naval a nível mundial.

Os netos de Alfredo da Silva, Jorge de Mello e José Manuel de Mello, herdaram um dos maiores grupos económicos do país, que tinha 180 empresas quando foi nacionalizado em 1975, e que se conseguiu reerguer treze anos mais tarde, dando origem a dois grupos: o Grupo Sovena, de Jorge de Mello, e o Grupo José de Mello, de José Manuel de Mello. O primeiro atua na produção de azeite e óleos vegetais (com marcas bem conhecidas dos portugueses como o azeite Oliveira da Serra e o óleo Fula, entre outras), enquanto o segundo estende a sua atividade às autoestradas, saúde, indústria química e produção de vinho (também com marcas emblemáticas como a Brisa, os hospitais e clínicas CUF, os premiados vinhos Monte da Ravasqueira e a Bondalti, a área de negócio da indústria química que sucede à histórica CUF). Quase 80 anos após a morte de Alfredo da Silva, os seus sucessores dão continuidade ao seu legado que sobreviveu à queda da monarquia, a duas guerras mundiais, à revolução de 25 de abril, a três regimes e a várias crises económicas, o que demonstra o seu forte compromisso em manter viva a tradição da excelência cultivada pelo fundador para continuar a caminhar e a inovar, em direção ao futuro.

 

Fonte: Alfredo da Silva – Biografia, de Miguel Figueira de Faria

Lisnave, Almada

Banco Totta & Açores

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